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Publicado em 17/02/2024 12:49:17 • Opinião

Projetos de Imortalidade

O ser humano faz muita coisa maluca para ser visto e não ser esquecido
Imagem meramente ilustrativa (Foto: Freepik)

Neste feriado de Carnaval minha atenção foi capturada por um filme brasileiro um tanto atípico: O Sequestro do Voo 375, recém lançado na Star+. A história é baseada em fatos e reais segue um atentado terrorista que aconteceu no país em 1988, quando um tratorista desempregado, Raimundo Nonato, sequestrou um avião comercial numa tentativa de fazer com que a nave colidisse com o Palácio do Planalto, onde residia um dos presidentes mais odiados da história do país (e olha que a concorrência é grande), José Sarney. Acontece no fim dos anos 80, o Brasil vivia uma hiperinflação absurda, além do desemprego, que o próprio Sarney prometeu acabar e falhou miseravelmente. Essa instabilidade econômica teria motivado o desejo de vingança de Nonato. Mas será apenas isso?

A pergunta acima não pode ser respondida. Inclusive o filme é bem raso nesse ponto, considerando que o personagem é quase que unifacetado, não sabemos muito a seu respeito, só conhecemos o seu objetivo. E uma pesquisa posterior também não revela nada, não há muitas matérias a respeito desse atentado, tornando irônico o fato de que um homem que quase entrou para a história, no fim acabou entrando para… o esquecimento. Seja como for, desconfio que o desejo de ser visto e lembrado em Nonato era maior que o seu desejo de fazer "justiça". Afinal, não há nada de justo em sacrificar pessoas inocentes apenas para satisfazer a raiva oriunda de sua impotência.

O desejo de ser visto e lembrado é um daqueles "projetos de imortalidade" de que falava Ernest Becker. Sabemos que a vida é finita e que um dia iremos partir, então para remediar isso fazemos obras de arte, construções arquitetônicas, projetos de lei, publicamos ideias, criamos filhos… enfim, qualquer coisa que nos traga um legado e faça nosso nome circular quando não estivermos mais respirando.

Não quero dar muitos spoilers, mas você já deve ter imaginado que o projeto de imortalidade de Nonato não deu certo, pois Sarney continua vivo e nunca sequer mencionou o caso na imprensa, nem mesmo agradeceu ao herói dessa história, o piloto Fernando Murilo de Lima e Silva, um homem que, de forma surpreendente, impediu que o desfecho do incidente não fosse mais trágico. O herói infelizmente hoje não está vivo para ser homenageado, mas conseguiu seu projeto de imortalidade ao salvar centenas de pessoas em um avião que tinha de tudo para explodir.

Há quem acredite que Nonato teria conseguido deixar um legado sombrio. Aparentemente, quando Osama Bin Laden foi morto em 2011, foi encontrado em seu bunker alguns documentos a respeito do sequestro do 375. Teria o atentando do tratorista inspirado o ataque às torres gêmeas em 2001? Não temos como saber, mas acho a ligação entre os dois casos bastante forçada, se considerarmos que sequestros aéreos são algo relativamente comum desde muitas décadas antes. Para se ter noção, no Brasil mesmo, o primeiro sequestro aconteceu em 1932 e também por motivos políticos: três homens partidários da Revolução Constitucionalista de 1932 roubam o Sikorsky S-38 P-BDAD Pernambuco estacionado nas oficinas da Panair do Brasil na Ilha dos Ferreiros, no Rio de Janeiro. Levando consigo o vigia da aeronave, tentam alcançar São Paulo mas caíram nas proximidades de São João do Meriti (RJ). Não houve sobreviventes.

Enfim, o ser humano faz muita coisa maluca para ser visto e não ser esquecido. Quem sabe quando eu morrer esses textos aqui no jornal sejam meu projeto de imortalidade. Só não faço muita questão de ser lido em um bunker…


(*) Leonardo é Psicólogo e atende em Cerro Largo

Fonte: Leonardo Stoffels / Psicólogo
Projetos de Imortalidade
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