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Publicado em 18/08/2020 12:01:10 • Artigos

Bolsonaro e o Centrão

Bolsonaro levou seu próprio governo a uma encruzilhada
Presidente Jair Bolsonaro com o deputado Ricardo Barros, novo líder do Governo na Câmara Federal (Foto: Twitter)

Por Ivann Carlos Lago (*)

Em outubro de 2019 publiquei, em meu blog, texto com o título: "O bolsonarismo contra o bolsonarismo" (Leia AQUI). Nele tentei mostrar como a natureza do governo Bolsonaro e de suas bases sociais de apoio tende a um processo de diminuição contínua e progressiva de sua sustentação política. Obcecado por produzir inimigos e combatê-los como método político, é inevitável que o governo passe a vê-los nos círculos cada vez mais próximos.

Aos poucos os inimigos deixam de ser "apenas" os comunistas, e começam a frequentar os círculos do próprio governo. Surgem traidores em toda parte. Afinal, se o comunismo dominou a ONU, a mídia nacional e internacional, as ONGs, as universidades e até o Banco Mundial, seria muito difícil impedir que se "infiltrasse" no governo e no próprio bolsonarismo (Moro e Mandetta sabem do que estamos falando...).

Ate aí, nenhuma novidade. Esse comportamento é típico de governos autoritários e obcecados pela guerra ideológica. O bolsonarismo não inventou o método, embora possa estar caminhando para se tornar sua vítima. Explico.

Bolsonaro levou seu próprio governo a uma encruzilhada. Entre os caminhos possíveis, aquele que o Presidente parece ter escolhido pode levá-lo ao choque direto com sua base de sustentação ideológica. Bolsonaro está, pois, em rota de colisão com o bolsonarismo. Vamos aos fatos.

Um Bolsonaro "paz e amor" tem surpreendido a (quase) todos nas últimas semanas. A mídia, a oposição e setores do próprio governo estão espantados com a moderação do presidente desde que sua prioridade passou a ser o apoio do "centrão". Diz-se que isso é uma estratégia para aprovar as reformas do Posto Ipiranga, digo, Paulo Guedes. O medo do impeachment, que se tornou pavor depois do aparecimento do Queiroz, claro, é só uma coincidência.

O discurso antissistema de Bolsonaro durante a campanha "colou" tão bem que sua aproximação com o "centrão" parece algo estranho, uma guinada radical em seu governo. Ora, é tudo menos isso.

Lembremos que Bolsonaro frequentou o parlamento brasileiro, como deputado, por 28 anos. Nesse período, passou por mais de meia dúzia de partidos. Mas a sigla onde permaneceu mais tempo foi o PP, partido que há muito tempo é – vejam só! – o símbolo do "centrão".

Sim, Bolsonaro sempre foi, ele próprio, deputado do "centrão". Do baixíssimo clero, é verdade, mas do "centrão". Apoiou, por exemplo, a histórica e icônica eleição de Severino Cavalcanti à presidência da Câmara dos Deputados. Adotou o pragmatismo acima de qualquer ideologia, votando com a esquerda e com a direita conforme os interesses e o oportunismo do momento demandavam.

Durante sete mandatos parlamentares, Bolsonaro nunca levantou a bandeira de combate à corrupção. Ao contrário, o que as investigações hoje apontam é que a tinha como um hábito de família. O discurso anticorrupção e antissistema só foi adotado na campanha presidencial porque se apresentou como o "calcanhar de Aquiles" da esquerda, especialmente do PT. Foi uma leitura de cenário, uma oportunidade que Bolsonaro soube explorar, e que ajudou a catapultá-lo dos porões do Congresso ao Palácio do Planalto.

Mas, "cidadãos de bem" acreditaram que ele era a encarnação do Jesus Cristo, o mais santo e puro dos homens, enviado por Deus para salvar o Brasil. Bem, boa parte desses "cidadãos de bem" também acredita que a terra é plana, que Rodrigo Maia é comunista e que Olavo de Carvalho é filósofo. Mas isso já é tema para uma coluna de psiquiatria...

Não, Bolsonaro não está deixando de ser quem é para se aproximar do "centrão". Bolsonaro sempre foi do "centrão". Bolsonaro é o símbolo do "centrão". O que ele está fazendo é voltar às origens, revisitando as catacumbas de Brasília onde passou quase metade de sua vida e onde estão seus velhos e verdadeiros amigos da política.

O dilema que o presidente enfrenta, ao fazer esse movimento, é que ele se apresenta como contraditório, seja para seus apoiadores mais ideológicos, seja para os bolsonaristas anti-PT que acreditaram no discurso de campanha, ou mesmo para a mídia ingênua que, influenciada pelo presidente bufão dos últimos 18 meses, esqueceu do deputado insignificante de sete mandatos.

Mas o grande perigo que Bolsonaro corre não vem da surpresa ingênua da mídia, nem da paralisia causada pela frustração da ala mais desinformada de seus eleitores. O perigo vem das hostes de sustentação ideológica de seu governo. O perigo vem do bolsonarismo ideológico. Autoritário e violento, o bolsonarismo ideológico fez da bandeira antissistema uma seita, e em nome dela está disposto a tudo, inclusive voltar-se contra Bolsonaro.

A criatura adquiriu vida própria. O mostro cresceu e ameaça devorar seu criador. O bolsonarismo começa a voltar-se contra Bolsonaro. E a ameaça cresce à medida que o presidente se aproxima do "centrão", o que é visto como fraqueza, como um ato de rendição ao inimigo, portanto, como um indício de que o "mito" não tem mais a força necessária para combater o sistema. Ou pior, que estaria sendo seduzido por ele.

Não nos surpreendamos se, em 2022, o bolsonarismo ocupar o espaço da ultra direita deixado pela versão "paz e amor" de Bolsonaro, lançando candidato próprio, com discurso ideológico e atacando o antigo ídolo.

Bolsonaro está em aberta campanha para a reeleição. E para consegui-la sabe que precisa do voto dos pobres, o que demanda políticas que são contrárias a tudo o que sua base ideológica espera que ele faça. O governo precisa gastar dinheiro que não tem, e para isso precisa de autorização do Congresso. Bolsonaro precisa de seus velhos amigos do "centrão".

Mas, principalmente, para se reeleger em 2022, Bolsonaro precisa continuar presidente até lá, ou seja, precisa sobreviver às ameaças de impeachment. E aí está o grande motivo do retorno ao velho habitat – os porões do Congresso Nacional.

O bolsonarismo ideológico é numericamente insuficiente para reeleger Bolsonaro. A dúvida é se o estrago que pode causar ao voltar-se contra o criador é suficiente para por em xeque os planos do "mito" de um segundo mandato.

(*) Sociólogo, mestre e doutor em Sociologia Política. Professor na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) - Campus Cerro Largo

Fonte: Ivann Carlos Lago
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