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Publicado em 21/11/2020 12:37:43 • Salvador das Missões

Desafios e avanços do empreendedorismo feminino

Em Salvador das Missões, mulheres falam sobre a presença feminina em diferentes áreas
Mulheres relatam suas experiências em diversos setores (Fotos: Karin Schmidt)

Costureira, operadora de colheitadeira, operadora de serradeira, produção de rapadura colonial, gestão de cooperativa, secretária municipal, estão entre as atividades desenvolvidas, com maestria, por mulheres de diferentes faixas etárias, em Salvador das Missões.

Esta reportagem é alusiva ao Dia Mundial do Empreendedorismo Feminino, comemorado na quinta-feira (19/11).

Na avaliação da presidente do Conselho da Mulher Empreendedora da Federasul e vice-presidente do Conselho Nacional da Empresária, Têisi Colares da Silva, as mulheres não vão mudar o mundo, porque não precisam mudar o mundo. "Elas estão transformando o mundo em um lugar melhor, por conta de sua sensibilidade e habilidade empreendedora em ser coletiva. Trabalhar para o todo é uma característica natural da mulher", destaca.

BARREIRAS

Para Têisi, um dos fatores que muitas vezes bloqueia o avanço do empreendedorismo feminino, são as barreiras das próprias mulheres. O sentimento de culpa quando ela se reconhece protagonista de sua vida. "A mulher foi talhada para ser o centro da família, ajudar os seus pares, seus pais, seus filhos, mas não pra ser independente e criar uma identidade. Esse sentimento a impede de expandir e, muitas vezes, ela precisa se desconectar do feminino para assumir uma postura mais incisiva", ressalta ao acrescentar: "isso se reflete, inclusive nos altos índices de doenças físicas e emocionais na mulher", evidencia ao ponderar que, de forma discreta, mas esse cenário vem mudando graças a voz feminina que tem ganhado força e visibilidade.

ENTRE COSTURAS

Assim tem sido o trabalho da dona Maria Lourdes Rohte, 64 anos, desde 1978, quando ela começou a costurar para as proprietárias no Hotel Brasil, em Cerro Largo, onde fazia outros serviços também. Ela conta que já sabia o básico, pois sua mãe também exercia a mesma profissão. Foi nessa mesma época, que dona Maria Lourdes comprou a primeira máquina de costura, que usa até hoje em seu ateliê, com outras duas mais modernas. "A costura é uma tradição, uma profissão que não pode terminar", salienta com convicção.

VOCAÇÃO

Ela conta que faz desde reformas, até vestidos para soberanas do Município, rainhas da terceira idade, vestidos de prenda, bombachas, tudo o que estiver ao seu alcance. "Quando costuro viajo nos pensamentos. Não sirvo pra outra coisa porque a costura é a minha vida, a minha vocação. Imagino que devia ser difícil para as mulheres, que não tinham sua renda e precisavam depender dos maridos. Hoje em dia é diferente, porque elas lutam mais na busca por uma profissão", salienta. Ela diz ainda, que depois que se aposentam, as mulheres deveriam fazer alguma atividade, como costurar, porque é bom pra ocupar a cabeça e não ter depressão.

SEMEANDO SONHOS

Não desistir e tentar até conquistar o seu lugar. É o recado de uma jovem agricultora, Nadine Luisa Kotz, 19 anos, para todas as mulheres que buscam seu espaço. Jovem, mas que sabe muito bem onde está e para onde não quer ir. "Faço todos os serviços com a colheitadeira, que normalmente leva um dia de trabalho. Para o grão do soja crescer parelho, tem que cair devagar e é mais rápido colher do que plantar. O trigo a gente pode semear mais ligeiro", explica ao enfatizar: "não me imagino, nunca, de jeito nenhum, morando em outro lugar ou fazendo outro tipo de serviço que não seja na agricultura. Aqui é o meu lugar, ao lado da minha família".

Ela conta que aprendeu a profissão com seu pai e seu esposo. "Se meus pais e meu marido não me incentivassem, eu não estaria fazendo o que gosto. Sou muito grata a eles". Quando perguntei de que forma outras mulheres poderiam atuar no mesmo ofício, Nadine respondeu: "ah, tem que 'pegar no pé' do marido, do pai, insistir. Eu acho que mais mulheres não estão nesse serviço porque falta incentivo".

"Muitos homens não têm confiança de largar o volante da colheitadeira pra nós. Isso tem que mudar, a mulher tem que se posicionar, aprender e trabalhar no que ela quiser", recomenda.

PONTO DE VISTA

Quem fala com o mesmo orgulho de sua profissão, é Ângela Maria dos Santos Vargas, 32 anos, operadora de serradeira na Madeireira Wenzel, onde trabalha há mais de dez anos. "Comecei aqui afiando serra, depois serrando e assim fui aprendendo outros serviços. Gosto de lidar com a madeira", afirma. Ângela, que há seis meses tem ajuda da colega Haydê Schmidt (19 anos), relata que muitas pessoas acham que é um trabalho pesado para as mulheres, mas para ela, tudo depende do ponto de vista. "Faço meu trabalho, se precisar carregar tábua eu carrego e não me sinto inferior aos homens, em nada. Mas, é claro que tem coisas bem mais pesadas e que ficam pra eles", contextualiza.

A operadora de serradeira fez questão de expressar seu reconhecimento a quem lhe contratou, ressaltando que, nesse ramo, são poucas as pessoas que dão oportunidade para as mulheres. "Muitos falam que serraria é só para homens, mas não é não. Por isso, agradeço aos meus patrões, Leandro e Bento Wenzel, pela chance que me deram de poder mostrar o meu trabalho", destaca ao evidenciar que "as mulheres devem continuar fazendo o que gostam. Não tem mais essa de setor só de homem", afirma.

MULHERES NO COOPERATIVISMO

Gerente do Sicredi na sede do município, Tatiane Inês Hahn, 35 anos, salienta que a mulher tem avançado em todas as profissões, e tem muito a contribuir no cooperativismo, por seu olhar diferenciado. "Espaço para a mulher, tem no Sicredi. Basta ela querer, se preparar e estar pronta para os desafios, que existem em todas as projeções e funções. Independente de gênero, a capacidade está dentro de cada um", contextualiza.

Na análise de Tatiane, de uns tempos pra cá, aumentou o número de mulheres assumindo cargos de gestão. "Isso se deve à própria mulher, que está se posicionando mais. A cooperativa sempre esteve aberta para todos, mas acredito que antes, esses cargos de gestão eram mais procurados por homens", avalia ao acrescentar que em Salvador das Missões tem duas agências, uma na sede e outra na Vila Catarina. "As duas agências totalizam oito funcionários. Destes, sete são mulheres", conclui.

SABOR EMPREENDEDOR

Outro setor em que o empreendedorismo feminino vem expandindo, consideravelmente, é na agricultura familiar. Um desses exemplos é a rapadura colonial produzida há 24 anos, pela Luciane Langer, 43 anos de idade. Ela conta que aprendeu com a sua sogra e, com o apoio do marido, começou esse trabalho há mais de 35 anos. Há um ano, por questões de saúde, sua sogra não trabalha mais. "Aprendi a profissão com ela, sempre trabalhamos direto e com pouco descanso. Gera bastante serviço, mas como renda é bom. Agora, quem vem me ajudando é meu marido", diz.

Quando perguntei à Luciane qual o segredo da rapadura ser tão boa, ela respondeu: "o sabor diferenciado está, justamente, no passo a passo da preparação caseira. Não é como as rapaduras industrializadas", explica ao dizer que "gosto muito do eu faço e recomendo essa atividade para outras mulheres".

SENSIBILIDADE FEMININA

Nos últimos tempos, também a administração pública tem oportunizado o empreendedorismo feminino, normalmente atrelado ao setor privado. Em Salvador das Missões, por exemplo, das seis Secretarias Municipais, três são conduzidas por mulheres.

Na Secretaria Municipal de Assistência Social e do Idoso, quem está no comando é Maria Lisiane Quevedo, 41 anos. Para ela, de um modo geral, o patriarcado ainda é muito forte no setor público, e o Brasil ainda está longe dos objetivos do milênio, de inclusão das mulheres nos poderes. "Nós, mulheres, temos que assumir a nossa cidadania e o nosso protagonismo para tornar nosso município um lugar melhor. A gente coloca o coração em tudo o que faz. Aqui, na Assistência Social, a mulher tem um acesso muito maior às políticas públicas, porque sempre trabalhamos de forma a valorizar a participação feminina nos programas do município. É uma secretaria que dá essa autonomia para a mulher salvadorense", incentiva Lisiane.

MULTIFUNCIONAL

Secretária de Saúde do município, Marlete Dolores Rauber, 41 anos, relata que a equipe é integrada por um grupo grande de mulheres, inclusive as três que trabalham como vigilantes. "Nada contra os homens, mas eu penso que nesta secretaria em especial, onde quem vêm está com dificuldades, sofrimento, problemas sérios de saúde, a sensibilidade de uma mulher no atendimento consegue captar mais o sentimento das pessoas", diz.

Marlete morou um ano na Alemanha e meio ano na Áustria, como babá e como cuidadora de um cadeirante. "Isso ajuda muito, porque conhecemos outra realidade. A mulher atual é multifuncional, se dedica à família e no trabalho se entrega mais, quer ajudar, de algum jeito resolver o que precisa, e consegue dar conta de tudo. Aqui em Salvador das Missões temos oportunidades, mas ainda falta no país a presença feminina em mais lugares", complementa.

CONHECER DE PERTO

Com a mesma dedicação, compromisso e entusiasmo, Michele Schutz do Nascimento, 32 anos, que está à frente da Secretaria Municipal de Administração, Fazenda e Planejamento, fala sobre a relevância das mulheres ocupando cargos de chefia nas prefeituras. "Muito importante quando o chefe do Executivo Municipal tem essa visão empreendedora, e nos dá oportunidade de mostrarmos nossas qualidades e nosso potencial. Trabalhar no poder público, nos proporciona mais condições de conhecer de perto o município e as necessidades da população", afirma.

Para Michele, a atuação feminina no poder público vai muito além da questão política. "Muitas vezes, o perfil dos homens é conseguir as coisas 'no grito', e as mulheres têm mais 'jogo de cintura'. Isso é um ponto a nosso favor. Não que os homens não sejam eficientes, mas é que temos uma sensibilidade que nos é peculiar", destaca ao concluir: "temos condições de administrar todas as áreas, somos mães, trabalhamos, estudamos e fazemos várias coisas ao mesmo tempo. Não apenas eu, mas muitas mulheres aqui do município são qualificadas e estão preparadas para assumir funções de gestão".

EMPREENDEDORA DO LAR

O que todas essas mulheres e muitas outras têm em comum? Elas são donas de casa.

Uma profissão que deveria ter mais reconhecimento, pois é um trabalho diário, incansável e imprescindível. Quando perguntei à dona Maria de Lourdes sobre isso, ela disse com satisfação que, além de ser costureira, durante toda a sua vida sempre fez sozinha os serviços do lar.

Depois de expressar um lindo sorriso, com muita sabedoria de vida, ela definiu em uma pergunta a representatividade e o valor (que deveria ter) desse trabalho, que transcende o tempo. "Imagine como seria o mundo, se não tivessem as donas de casa?".

Fonte: Karin Schmidt, jornalista e documentarista
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