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Publicado em 28/10/2022 19:36:46 • Artigos

Enterros

A coluna desta semana de Leonardo Stoffels faz uma reflexão sobre os funerais

Dia de Finados me lembra enterros. Lembro vagamente da primeira vez que fui num (ou da segunda, não tenho certeza). Eu tinha cinco anos e estava entediado. Vi um garoto chorando debruçado sobre um caixão. Não posso dizer que me comovi com a cena, porque eu ainda tinha aquela ingenuidade de criança, que não sabe separar o drama da comédia. Mas aquilo serviu de pontapé para o meu entendimento sobre velórios, a certeza de que todo ritual fúnebre é coberto de tristeza e lágrimas.

Como eu tive uma educação católica ficava confuso: se existe vida após a morte, e ela é melhor do que essa, por que estão todos de agonia pelos defuntos? Eles não deveriam ficar felizes porque alguém partiu para um mundo mais legal do que esse?

Foi aí que pensei em meus pais, a ideia de perdê-los era a coisa mais horrível que eu podia imaginar. E foi aí que eu entendi o porquê de nenhum adulto ser capaz de me dizer que a morte era o fim de tudo, que tinha que existir algo além: porque era doloroso demais aceitar que as coisas se vão e nunca mais voltam.

Quando percebi que meus pais não viveriam para sempre, e que poderiam morrer a qualquer instante, fiquei completamente apavorado. Foi minha primeira crise existencial, muito antes de eu saber o que era a filosofia. Não tive nenhum ataque de pânico, mas conheci um pedacinho microscópico dessa sensação, e era a pior daquele mundinho de criança.

Agora que sou adulto ainda me impressiono com os enterros. Não pela tristeza, mas pelas exigências implícitas em um ritual fúnebre. Algumas pessoas se esforçam para chorar, como se fossem atores em uma peça teatral, e quando não conseguem se sentem culpadas por isso. Ouvi falar em uma aula de antropologia na faculdade que esse tipo de comportamento é bem comum na América Latina, ou no ocidente de modo geral, mas que não se repete em todos os continentes. Há países inclusive em que os entes queridos "comemoram" a morte do defunto - o que para nós soa absurdo.

Para encerrar, deixo uma curiosidade bem inusitada. Em algumas religiões da África, a morte é uma passagem desta vida para outro plano, no entanto, há muitas interrupções entre essa passagem e se o rito fúnebre não for realizado de maneira "adequada" os mortos podem voltar para atazanar os vivos. Uma prática comum na casa dos falecidos adeptos de tais religiões é transportar o corpo por buracos feitos na parede, e levar o caixão caminhando em ziguezague até o cemitério. O buraco na parede então é fechado após o enterro. A ideia é que esses procedimentos confundiriam os mortos na hora de lembrar o caminho de volta até os vivos.

Pois é, há funerais mais difíceis de aguentar do que os nossos!

Fonte: Leonardo Stoffels / Psicólogo
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