


Uma pesquisa realizada no curso de Mestrado em Desenvolvimento e Políticas Públicas da UFFS – Campus Cerro Largo avaliou a receita corrente de quatro municípios da região (Santa Rosa, Santo Ângelo, Guarani das Missões e Três de Maio), de 20 anos (décadas de 1990 e 2000).
Segundo a autora da pesquisa, a mestra e técnica administrativa da UFFS, Neusa Rossini, e seu orientador, Edemar Rotta, com o resgate das origens dos recursos que formaram as receitas correntes municipais, constatou-se o quanto os municípios dependem das transferências governamentais para realização das políticas sociais. Ela observou o direcionamento de recursos públicos em políticas sociais e diagnosticou a realidade dos municípios. Com isso, “estimula maior atenção dos gestores públicos e cidadãos para a trajetória orçamentária e investimentos públicos realizados nas áreas sociais”, afirma Neusa.
Receitas correntes são as receitas tributárias, de contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes (União, Estado e multigovernamentais) e outras receitas correntes provenientes de outras origens (Infográfico).
Segundo Neusa, “a análise da composição das receitas correntes foi motivada pelo fato de que são os municípios, enquanto uma esfera de poder do Estado, as vias de implementação de muitas políticas públicas, com destaque para as sociais”. Ela ainda destaca a importância da efetivação das políticas públicas, responsáveis por produzir mudanças concretas nas condições de vida de uma população, na esfera municipal, pois amplia o acesso ao Ensino Básico e sistema de saúde, implementa programas de acesso à moradia, promove melhorias da rede de água e saneamento, entre outras.
A escolha desses municípios, segundo a pesquisadora, justifica-se pois Santo Ângelo e Santa Rosa são os centros urbanos mais dinâmicos da região e são municípios-polo regionais, enquanto que os municípios do entorno, Guarani das Missões e Três de Maio, foram selecionados por serem limítrofes a esses polos e terem data de instalação mais antiga, dentre os outros municípios limítrofes. “Essa escolha lança um olhar sobre os municípios que integram uma região localizada na fronteira do Brasil com a Argentina, que apresenta perda populacional no decorrer dos anos, possui atividade econômica predominantemente voltada à agropecuária em relação à média estadual, com pouca participação da indústria, marcada pelas grandes distâncias da capital, dos portos e dos principais centros consumidores do estado e do país”, argumenta.
A realidade dos municípios em 20 anos
Santo Ângelo distingue-se dos demais municípios por ter apresentado maior autonomia orçamentária, sendo o único que, por alguns períodos, teve como principal fonte de recursos as receitas municipais. Isso ocorreu em 1991, 2002, 2003 e 2007. Santo Ângelo também possui outra característica peculiar: o fato de que as três principais fontes de recursos apresentam patamar percentual próximo (fonte municipal 21%, federal 24% e estadual 23%), indicando que Santo Ângelo não depende exclusivamente de uma das fontes de recursos.
Santa Rosa, no início do período, tinha como principal fonte de recursos as transferências do governo estadual (durante 5 anos). No restante do período, as transferências do governo federal destacaram-se. Em Três de Maio, as transferências do governo federal e estadual alternaram-se como principais fontes de recursos, no entanto, a partir de 1998, houve predomínio dos recursos transferidos pelo governo federal. Ressalta-se que, em Guarani das Missões, as transferências federais por 19 anos foram as que mais contribuíram com a formação das receitas correntes (exceto 1994). O maior percentual ocorreu em 1993, com 45,65%. Em 2010, todos os municípios tinham como principal fonte as transferências federais, com maior ou menor percentual de participação. Observou-se que, em todos os municípios, as transferências estaduais foram perdendo participação, do início do período analisado até 2010.
As transferências multigovernamentais do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEB) e Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEF) que iniciaram em 1998, com o passar dos anos foram recebendo maior volume de recursos e ampliando a participação nas receitas correntes. Em 2010, representavam 10% das receitas correntes de Santa Rosa, 14,78% das receitas de Santo Ângelo, 10,18% das receitas de Três de Maio e 14,53% das receitas de Guarani das Missões.
Para Neusa, é importante esse dimensionamento do quanto os municípios são dependentes das transferências governamentais, pois “não se imagina que a arrecadação municipal (que provém das receitas tributárias, de contribuição, patrimonial, industrial, agropecuária e de serviços) tem tão pouca participação na composição das receitas correntes”. A pesquisadora lembra também que o seu estudo é mais amplo e abrange a composição da série histórica dos valores utilizados pelos municípios nas despesas por função, com destaque para os investimentos realizados nas áreas sociais de assistência e previdência, educação e cultura, habitação e urbanismo, saúde e saneamento e trabalho, durante o período de 20 anos, e o acompanhamento do desempenho do IDHM.
Como as políticas públicas interferem na nossa vida?
Segundo Neusa, as “políticas públicas nas áreas sociais são estratégicas por atuarem na área de proteção social e promoção social, possuindo complexos esquemas de distribuição/redistribuição de renda e de bens e serviços, em que recursos são distribuídos e redistribuídos em múltiplos sentidos e que “acaba por afetar a situação social dos indivíduos, famílias e grupos sociais, afetando também a economia”.
O Estado atua por meio do estabelecimento dessas políticas, que são capazes de produzir, conjuntamente com outros agentes, diferentes dinâmicas na vida econômica, política e social. Elas são divididas em políticas sociais, econômicas, de infraestrutura e de estado. Na área das políticas sociais, estão elencados direitos e garantias fundamentais como educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados. “O reconhecimento dos direitos sociais entre os direitos fundamentais coloca o estado como agente de regulação da economia e condutor das políticas públicas para o enfrentamento das desigualdades sociais. No entanto, na prática, não significa necessariamente que os direitos sejam efetivados”, explica Neusa.
A pesquisadora entende que as formas de tributação, gestão e o controle social do orçamento afetam a vida de toda uma comunidade. “A concepção, implantação, execução e avaliação das políticas públicas sociais traz para a ordem do dia o debate sobre o orçamento público”, afirma.
Ela ainda destaca que os municípios devem incentivar a participação popular na discussão de planos e orçamentos, de modo que os cidadãos possam acompanhar os investimentos públicos e realizar o controle social do orçamento. "Também devem elaborar e divulgar os relatórios e demonstrativos das finanças públicas, prezando pela transparência, para que os cidadãos possam avaliar o comprometimento do poder público na utilização do orçamento", ressalta.
O trabalho intitula-se Investimentos Públicos em Políticas Sociais e Indicadores de Desenvolvimento: analisando a trajetória de municípios do Noroeste do Rio Grande do Sul e pode ser acessado completo pelo e-mail da autora: [email protected]