


Tratamento é capaz de restaurar a visão em pacientes com cegueira corneana grave e é indicado em casos em que transplantes de córnea tradicionais não são viáveis
O canadense Brent Chapman, de 34 anos, viralizou após recuperar a visão a partir de uma técnica que pode parecer bastante inusitada: o implante de um dente no olho.
Popularmente chamada de cirurgia dente-no-olho, a ceratoprótese osteo-odonto ou osteo-odonto-queratoprótese é um tratamento capaz de restaurar a visão em pacientes com cegueira corneana grave. Ele é indicado em casos em que os transplantes de córnea tradicionais não são viáveis.
Uma lente de plástico é inserida no dente extraído do paciente, que é então cirurgicamente fixado ao olho. (entenda mais abaixo)
"O implante precisa ser preparado meses antes e somente depois é colocado no olho. Após a implantação no olho, a visão gradualmente vai melhorando conforme a redução do processo inflamatório pós-cirúrgico e o avanço da cicatrização", detalha Ione Alexim, médica oftalmologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e do Hospital Beneficência Portuguesa.
O procedimento pode parecer inusitado, mas, segundo especialistas, proporciona uma estrutura muito duradoura para a lente, com menor probabilidade de rejeição pelo sistema imunológico.
Chapman contou ao site americano Today.com que duvidou que o método fosse funcionar, mas o resultado foi extremamente positivo. Ele voltou a enxergar após mais de 20 anos sem visão.
"Parecia um pouco ficção científica. Eu pensei: É muita loucura", disse Brent, em entrevista.
O oftalmologista e professor do Departamento de Ciências Visuais da University of British Columbia, que foi responsável pela cirurgia, comenta que a técnica é delicada, mas se mostrou muito eficiente.
"Embora desejássemos uma opção menos invasiva para essa categoria de pacientes, nada se apresentou com a mesma durabilidade a longo prazo e resultados visuais que esse procedimento", afirma Moloney, em comunicado.
Mesmo com relatos de recuperação da visão, como o caso de Chapman, o procedimento não é utilizado até o momento no Brasil.
A cirurgia dente-no-olho foi descrita pela primeira vez pelo professor italiano Benedetto Strampelli, em 1963. Ainda assim, é considerado um procedimento de alta complexidade, com indicações restritas e diversos riscos de complicações.
Alexandre Kazuo Misawa, médico oftalmologista e coordenador de retaguarda de oftalmologia do Hospital Sírio-Libanês explica que o método é arriscado e demandaria mais estudos para ser validado a nível mundial.
"É importante fazer um estudo mais aprofundado, verificar riscos, custo-benefício e a efetividade de uma cirurgia a longo prazo, visto que é um tratamento que tem resultado com pouco tempo de estudo", analisa.
A técnica realizada em etapas. Primeiro, cria-se um suporte para uma córnea artificial a partir do dente do próprio paciente e do osso que o envolve.
"O procedimento utiliza um dente do próprio paciente, junto com um pedaço de osso e gengiva, para servir como suporte a uma lente de acrílico transparente", explica Alexim.
Depois, a estrutura é implantada embaixo da pele – geralmente no rosto ou no ombro – para se integrar ao organismo.
Por fim, ela é transferida para o olho do paciente, substituindo a córnea danificada e permitindo a passagem da luz até a retina.
A visão tende a melhorar aos poucos, com o avanço da cicatrização. Mas os especialistas ponderam que a visão recuperada costuma não ser perfeita.
"Uma pessoa que faz um procedimento assim não tem como ter uma recuperação de 100% da visão. Ela deve conseguir discernir vultos e ler letras grandes, por exemplo", comenta Misawa.
Ione ainda acrescenta que o método proporciona que os pacientes tenham mais independência e autonomia para realizar atividades do dia a dia.
Apesar de ser um procedimento que apresenta bons resultados, é considerado complexo e não é indicado para todos os tipos de cegueira.
Alexandre explica que a cirurgia tende a ser bem-sucedida quando a lesão é somente na córnea.
"Vai funcionar se a retina, o nervo óptico e o próprio cérebro estão preservados. Quando somente a lente, chamada córnea, está prejudicada e é um paciente que já passou por diversos tratamentos, sem sucesso, esse método pode ser uma opção", detalha o oftalmologista.
A técnica pode ser utilizada nos pacientes com os seguintes problemas:
Síndrome de Stevens-Johnson (reação rara que, em geral, acontece após o uso de medicamentos e pode levar à cegueira) em estágio terminal grave,
Queimaduras químicas ou térmicas,
Lesões físicas na córnea,
Doenças autoimunes que causam danos severos à superfície ocular,
Falência de células-tronco da córnea,
Outros traumas.
Ainda que leve a uma recuperação parcial da visão nesses casos, aqueles que passam pelo procedimento precisam ter acompanhamento oftalmológico por toda a vida, já que há diversos riscos de complicações, inclusive a longo prazo.
Por ser um procedimento muito delicado e recomendado apenas para alguns casos específicos de lesão na córnea, a técnica conta com uma lista considerável de contraindicações.
Entre as principais, estão os pacientes com:
- Doenças graves na retina ou no nervo óptico
- Olhos sem percepção de luz
- Glaucoma avançado
- Deslocamento irreparável da retina
- E crianças menores de 17 anos
Ione também destaca que as condições de saúde geral dos pacientes, como a presença de doenças sistêmicas que ainda não estejam sob controle, por exemplo, podem fazer com que o método seja desaconselhado.